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Relato do Evento: A Imprensa e o Golpe de 64


Desde que a prensa móvel de Gutenberg passou a ser utilizada para a impressão de jornais no século XVIII, a imprensa não apenas desempenha a função social de difusora de fatos e informações, como também exerce a disseminação de ideias e posicionamentos. No Brasil, por exemplo, a primeira manifestação de uma imprensa nacional esteve intrinsecamente atrelada à vinda e estabelecimento da família real portuguesa no país em 1808, com a publicação de conteúdos favoráveis a esta elite. Tal vinculação entre grupos de interesse e a mídia sempre assumiu as mais variadas formas. Diante desta premissa e dando enfoque ao período da Ditadura Militar brasileira, o Centro Acadêmico de Relações Internacionais Barão do Rio Branco, em parceria com o PET-RI, organizou no último dia 24 de Abril na PUC-SP a mesa “A Imprensa e o Golpe de 64” mediada pelo Professor Reginaldo Nasser, mestre em Ciência Política  pela UNICAMP, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e Chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP.

A fim de compreender e desmitificar o papel da mídia durante todo o período ditatorial no Brasil, foram convidados para palestrar o Jornalista e Prof. de Jornalismo da PUC-SP, José Arbex, e o Jornalista, Cartunista e Professor de Relações Internacionais na UFABC, Gilberto Maringoni. Ambos avaliaram o papel da imprensa por meio da história, mas com enfoques distintos. Enquanto o Prof. Arbex pautou-se no presente como meio de compreender o passado, a fala do Prof. Maringoni assumiu caminho contrário ao traçar panorama temporal de alguns anos anteriores à imputação do golpe para justificar o momento atual da situação midiática.

O início da fala de Maringoni abordou o final dos anos 1950 e o ano de 1960 no Brasil. Nesse período, o país usufruía de poucos centros de excelência para debates públicos, o que justificava a apropriação da mídia como antro de discussões. Com o seu aprimoramento na década de 1960, além da chegada da televisão nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e no Sul do país, a elite intelectual brasileira encontrou espaço na imprensa para se manifestar. Segundo Maringoni, foi esse também um momento de reformulação com bases norte americanas da mídia brasileira, que assumiu uma linguagem coloquial e um desenho mais moderno a fim de popularizar a imprensa, através do jornal escrito e televisionado.

Com a reformulação, a direita brasileira venceu como detentora única da imprensa nacional que, em sua modernização, tornou-se  reacionária e com conteúdos e cultura rebaixados. Para Maringoni, tal fenômeno é de extrema importância para compreensão da mídia atual brasileira. O professor também revelou que a reformulação já sofria interferência militar, principalmente pela figura de Golbery do Couto e Silva, conhecido como o “militar intelectual” da ditadura. O militar e geopolítico já percebera em 1962 a necessidade de imputar os ideais militares à população por meio da mídia. A empreitada de Couto e Silva, contudo, não aconteceu com amparo único e exclusivo dos militares, sendo auxiliada também pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), criado por uma série de empresários brasileiros e norte americanos. O intuito era ser um grande catalisador do pensamento anti-Goulart que, através da produção de filmes curtos que eram exibidos nos cinemas, criou canais de comunicação com as massas brasileiras, transmitindo um sensacionalismo calamitoso que abriu caminho para o Golpe Militar de 1964.

Mais um momento histórico foi mencionado na construção argumentativa de Maringoni: em 1972 a Embratel assinou um acordo que unificou todo o sistema de telecomunicações brasileiro. A Rebe Globo ganhou espaço de Norte a Sul e seu crescimento foi inevitável. Mais uma vez, o capital privado dentro da imprensa manifestou-se. Primeiro foi o IPES e posteriormente a Rede Globo, revelando que a ditadura militar foi um verdadeiro negócio para a mídia nacional. A imprensa usou o golpe como ferramenta para ganhar “corações e mentes” e manter seu conservadorismo vivo.

Apesar de concordar em grande parte com os posicionamentos de Maringoni, Arbex destacou, no início de sua fala, que seu objetivo ao abordar este tema não se limitaria à historiografia, mas também à atualidade, uma vez que a compreensão deste evento histórico pode ser muito útil para analisarmos o papel das mídias nos dias atuais. Dessa maneira, o palestrante nos mostrou diversos exemplos de situações que evidenciam que a imprensa, além de estar comprometida com a ordem internacional, está, segundo ele, “cada vez mais organicamente vinculada às estratégias do capital”, repetindo conceitos e ideologias específicas para sua reprodução.

Um exemplo dado por Arbex foi a tentativa de derrubar Hugo Chávez do poder, ocorrida na Venezuela em 2002, quando a própria iniciativa do golpe partiu de uma articulação em que a imprensa venezuelana foi protagonista. Além da cobertura caluniosa sobre o que acontecia nas ruas, o setor midiático venezuelano também influenciou o imaginário popular divulgando uma falsa renuncia de Chávez ao cargo, o que fez com que a reação popular ao golpe não fosse tão intensa de imediato.

Ao falar do Brasil em específico, o professor abordou os recentes pedidos de desculpas de meios de comunicação importantes, como a Folha de São Paulo e a Rede Globo, por terem apoiado o golpe em 1964. Segundo ele, esse processo em que se condena o regime do passado se dá com o objetivo de minimizar o que acontece na atualidade, através da construção das sensações de que as violações aos direitos dos cidadãos já acabaram e de que vivemos em uma democracia plena. Apesar disso, sabemos que ainda convivemos com muitas heranças do período ditatorial, como o sistema da Polícia Militar, a Lei da Anistia que perdoa torturadores e a Lei de Segurança Nacional, que permanece inalterada desde 1983. Dessa maneira, a imprensa brasileira continua servindo aos interesses da aliança entre o capital e o Estado, escondendo o processo monstruoso de guerra contra a população pobre, preta e periférica.

Durante a sua fala, Arbex expôs dois acontecimentos dignos de reflexão, pois dizem muito sobre a imprensa brasileira: o primeiro é uma gafe de William Bonner cometida durante uma visita de estudantes de jornalismo à Globo, em que o âncora admitiu que considera seus telespectadores análogos ao personagem Homer Simpson; o outro acontecimento é a recente demissão por parte da Folha de São Paulo do jornalista André Caramante, que sempre focou-se em denunciar abusos de policiais. Ambos os acontecimentos, assim como as contribuições de ambos os palestrantes, denunciam o caráter dos órgãos midiáticos brasileiros, que pouco mudaram suas estratégias e objetivos desde 1964, agindo apenas de modo mais sutil e eficiente, uma vez que é muito bem-sucedida a ocultação e a defesa das continuas violações de direitos dos menos privilegiados praticadas pelo Estado brasileiro. Dessa forma, o interesse que impera atualmente na mídia brasileira é ainda o das grandes empresas, bancos e elites de poder, o que repercute na manutenção de uma direita reacionária que os alimenta.

Por Fabio Freller e Rebeca Bicudo Duran.

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