Por Victória Pontes, graduanda em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsista do PET-RI
Não é de hoje que a atuação brasileira em relação ao combate às mudanças climáticas é ambíguo, pendulando entre a vanguarda e o conservadorismo embasado no que foi feito durante décadas pelos países mais ricos do mundo. Na COP28 não foi diferente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a participação brasileira na conferência com dois discursos disruptivos e progressistas, levou a maior delegação para Dubai e tinha um número impressionante de painéis para discussão em seu pavilhão, mas “queimou seu filme” permitindo que o Brasil entrasse na OPEP + durante a semana do encontro, alegando que traria mudança para dentro do grupo.
São vários os autores que já se debruçam na atuação climática do Brasil, tanto frente às Conferências das Partes (COPs), quanto no resto do ano em suas ações nacionais e interação com outros países com esse pretexto. Em seu trabalho sobre os reflexos da COP21 na atuação brasileira para mitigar os impactos da crise climática, Janaína Freiberger (2019) aponta que as mudanças de governo e a crise política que assolou o Brasil nos últimos oito anos foram determinantes para a falta de comprometimento com a pauta. No entanto, o governo Lula, que tinha um histórico bastante vanguardista nesse quesito, vem se mostrando um tanto contraditório em suas atuações desde o início de seu terceiro mandato, principalmente pela condição de coalizão e a polarização de forças políticas na atualidade, se aliando a grandes potências poluidoras, perdendo a chance de se tornar o país referência global na pauta.
Olhando mais especificamente para o que aconteceu nos últimos dias durante a COP28, fica bastante clara essa atuação dual e um tanto confusa que Lula tem tido. O presidente do Brasil vem “flertando” com a ideia de alavancar a economia brasileira através de um uso “verde” do petróleo do país desde meados do primeiro semestre de 2023, fato que preocupa e tem mobilizado diversas áreas da sociedade que lutam pela pauta ambiental. A decisão do presidente de fazer parte da OPEP +, proposta que surgiu dias antes de sua ida para Dubai, foi um turning point para sua credibilidade de propostas na conferência do clima. Segundo ele, em resposta às críticas que recebeu:
"É verdade que nós precisamos diminuir o combustível. Mas é verdade que nós precisamos criar alternativas. Então antes de você acabar por sectarismo [com o petróleo] você precisa oferecer à humanidade uma opção. E a nossa participação na Opep+ é para discutir com a Opep a necessidade dos países que têm petróleo e que são ricos começar a investir um pouco do seu dinheiro para ajudar os países pobres do continente africano, da América Latina, da Ásia a investir em combustível." (LULA, 2023)
Mesmo com essa ideia em seu discurso, ficou difícil confiar na efetividade das promessas do Brasil, deixando sua participação como governo bastante apagada na COP, fato que quebrou com as expectativas dos especialistas. Apesar disso, em contramão do que Lula apresentou de seu país para a comunidade internacional, há uma parcela da delegação brasileira que expôs propostas bastante interessantes que chamaram a atenção do mundo, o que gera mais uma dualidade.
Cada vez mais temos visto o que anos de exploração ambiental tem causado, há um crescimento exorbitante de desastres advindos do desequilíbrio desenfreado das condições climáticas, como queimadas extensas, chuvas intensas, vendavais, tudo fora do espaço e tempo que deveriam acontecer, deixando grupos inteiros sem abrigo, sem terra, sem comida… Há uma parcela significativa da população mundial desamparada por conta de desastres climáticos. Pela condição desigual do Brasil, tal percepção é intensificada, principalmente por aqueles que os direitos não são resguardados pelo governo, como indígenas e ribeirinhos. Nos últimos anos temos visto tais grupos forçando espaços de fala e estando cada vez mais visíveis nas mídias denunciando o que passam. Na COP28 não foi diferente, conseguiram levar um número expressivo de representantes que colocaram “holofotes” sobre as questões que têm vivido. Esse protagonismo ganhou ainda mais notoriedade no dia 5 de dezembro (23), dia que a ministra Sônia Guajajara (Ministério dos Povos Indígenas) chefiou a delegação brasileira na ausência do presidente Lula e da ministra Marina Silva (Ministério do Meio Ambiente).
“Hoje, orgulhosamente, falo aqui como ministra de Estado dos Povos Indígenas, a primeira vez que nós, indígenas, temos essa representação no Governo Federal e na COP. E claro, maior ainda para nós é dizer que estou aqui falando como chefe da Delegação Brasileira. Isso é histórico e precisa ser celebrado. Estar aqui com o dia inteiro do pavilhão aberto para a discussão dos povos indígenas é significativo. Podemos já dizer que é uma COP histórica nessa participação dessa diversidade de povos do Brasil e do mundo que se faz presente nesta COP. Mostra que nós também estamos crescendo nesse espaço, aumentando a nossa voz”(GUAJAJARA, 2023).
Sônia ressalta a grandeza da participação indigena em uma conferência internacional, principalmente referente a mudanças climáticas. Ao longo de todas as discussões que conduziu durante esse dia, deixou bastante claro que sua posição e o papel que tem exercido no governo tem sido crucial para cumprir as metas brasileiras nos acordos ambientais e mitigar os impactos climáticos, principalmente pelo fato apontado em pesquisa do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) de que 30% da mata nativa da Amazônia está em terras indígenas. Suas exposições reforçam que o Brasil não tem tido uma atuação uníssona na pauta climática, trazendo luz à questão citada anteriormente de que as esferas não presidenciais e menos “tradicionais” têm se engajado mais nesta pauta.
Desta forma, a atuação brasileira se dá de maneira dúbia ao longo da semana de conferência. Mesmo com a divisão no posicionamento dos painelistas há esperanças para as ações da delegação brasileira que se mostra promissora ao longo dos próximos anos, principalmente tendo em vista a COP30 que acontecerá em Belém (PA). Mesmo saindo de uma conduta esperada, muitos especialistas ainda apostam na liderança brasileira na governança climática. Neste momento precisamos observar se esse impulso virá de uma força política com muito histórico mas com discursos atuais um tanto controversos ou de uma força social que se encontra marginalizada, mas que sente na pele as catástrofes ambientais e assim busca espaço de luta e conscientização.
Bibliografia
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https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/199009/PDPC1446-T.pdf?sequence=- 1&isAllowed=y. Acesso em: 20 set. 2023.
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